Ficar concentrado em algo que exige
muito de nossa atenção tem sido cada vez mais difícil e doloroso. Vivemos num
mundo que nos diz, incessantemente, que precisamos ter satisfação logo, que a
dor precisa ser evitada e/ou suprimida, que a felicidade é a melhor escolha.
Quando tentamos nos concentrar em uma
tarefa árdua, logo percebemos que as distrações presentes em nosso entorno são,
quase sempre, bem mais sedutoras, não é verdade? Dá vontade de beliscar algo
gostoso, de atender a um telefonema nada importante, de ler as mensagens que
chegaram, de buscar algo na internet etc.
Pronto: está armada a cilada que tem
como objetivo nos retirar da situação incômoda em que estávamos. Ter de
realizar algo que não é nossa escolha no momento e que exige esforço e tempo de
dedicação perturba, angustia, provoca insatisfação. E é disso que queremos
fugir.
Claro que, ao agirmos assim, a situação
irá se complicar porque, afinal, aquela tarefa precisará ser realizada mais
cedo ou mais tarde. Aí é que entra o exercício da maturidade. Realizamos um
esforço ainda maior para dar conta de nossa responsabilidade porque sabemos que
ela é intransferível.
A criança sofre esse contexto muito
mais do que o adulto. Imagine, caro leitor, uma criança ao fazer uma lição ou
ao aprender algo que dizemos que ela precisa saber.
Certamente você já testemunhou uma cena
desse tipo. Ela decide apontar o lápis, organizar seu material à mesa, pegar
(dezenas de vezes) algo necessário na mochila... Além disso, sente fome e
vontade de ir ao banheiro, olha para sua borracha e se lembra de uma outra que
tanto queria mas não tem.... E assim ela segue, sem saber que o seu
comportamento visa unicamente escapar da angústia que ela enfrenta.
Nós, que aqui estamos há muito mais
tempo do que ela, fomos tão tomados por esse mesmo contexto, que nem sempre nos
damos conta de que a criança precisa de nossa ajuda nesse momento. Ela
precisaria saber, por nossa condução, que ela pode comer mais tarde, que não
precisa de tanto material por perto, que a vontade de ir ao banheiro pode ser
postergada etc.
Ao contrário, tratamos de atender a
todas as suas solicitações na tentativa de "limpar" a situação para
que a criança consiga, finalmente, se dedicar ao que precisa. Tudo o que
conseguimos ao agir assim é estimular a criança a escapar de outros modos de
sua missão.
Há um grupo de crianças que confunde a
angústia que a toma nesse momento com dor. Dor física: dor de cabeça, dor de
barriga, dor na mão, por exemplo, são reclamações frequentes de crianças que
enfrentam a angústia de ter de aprender algo.
Como a lógica médica passou a reger
nossas vidas, damos toda atenção a tais dores, que não são inventadas pela
criança, é bom ressaltar: são confundidas por ela.
Quase todas as escolas hoje têm
enfermaria; a qualquer hora do dia, se você passar por lá, caro leitor,
encontrará alguma criança com tal reclamação, tanto quanto muitas outras no
banheiro, no bebedouro, vagando pelos corredores.
Elas deveriam ser encorajadas a ficar
em classe e a enfrentar a angústia que o aprendizado provoca. Com nossa ajuda,
com nosso apoio, com nossa firmeza e carinho, elas podem enfrentar tal
desconforto por conta própria e seguir em frente.
O resultado seria o crescimento da
autoestima, que se desenvolve à medida que a criança adquire confiança em sua
capacidade de colocar em ato seu potencial.
ROSELY
SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu
Filho?" (Publifolha)
Matéria
publicada no Jornal Folha de São Paulo, 13 de agosto de 2013.
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