MINIATURA DE PERIGUETI
Que as crianças têm cada vez menos infância é
um fato já constatado e conhecido por muita gente.
Há mais de 20 anos que teses, ensaios e livros
produzidos por estudiosos das mais diversas áreas do conhecimento alertam para
essa questão tão importante.
Não há dúvida de que foi o mundo que mudou.
Muitas pessoas acreditam que as crianças da atualidade são diferentes porque já
nascem assim: mais conectadas com o que acontece à sua volta, mais cientes do
que querem, mais sabidas e muito menos afeitas à obediência.
Mas não. O que acontece, na verdade, é que
elas são estimuladas desde o primeiro minuto de vida, e os adultos que as
cercam estão ocupados demais consigo mesmos e com sua juventude para ter a disponibilidade
de construir autoridade sobre as crianças.
Além disso, os adultos estão muito orgulhosos
com os feitos dos filhos que aí estão, cada vez mais, simplesmente para
satisfazer os caprichos dos pais.
Tudo - absolutamente tudo- o que acontece no
mundo adulto está escancarado para as crianças.
Estão escancarados aos mais novos crimes e
castigos, corrupção na prática política, desumanidades, destruição e violência
de todos os tipos, desde a mais pesada à mais cotidiana (que nem sempre é
reconhecida como uma forma de violência).
E as crianças sofrem e sofrem com tudo isso,
mas sem saber. Ainda. Elas ainda não sabem que mais de dez por cento de suas
vidas -a parte que corresponde ao período chamado de infância, no qual poderiam
se dedicar a brincar de maneira infantil- está se esvaindo em consequência dos
caprichos dos adultos. Para ilustrar esse ponto, vou citar aqui dois fenômenos
recentes.
Creio que você já ouviu, caro leitor, a
palavra "periguete". Já está até no dicionário.
É uma expressão da linguagem informal, surgida
na periferia da capital baiana, que tem diversos significados, dependendo de
quem a usa e em que contexto.
No quesito aparência, o termo se refere a
mulheres que se vestem com roupas curtas, decotadas e muito justas, deixando
muito corpo em exposição.
Os trajes usados por essas mulheres são
considerados vulgares, mas há quem não aceite esse sentido. Hoje, temos
estilistas dedicados a criar linhas de roupas com esse perfil, tamanho é o
sucesso que o estilo tem feito com o público feminino.
Pois é: agora muitas mães estão vestindo suas
filhas como "periguetes".
A garotada gosta de aderir ao personagem
principalmente porque papéis com esse estilo, em novelas, têm tido bastante
destaque e seduzido a criançada.
Pudera: corpo à mostra, expressão corporal
exagerada, voz demasiadamente alta tem tudo a ver com criança, não é verdade?
O que as crianças desconhecem é o caráter
extremamente erotizado dessa fantasia que elas andam vestindo.
Claro que, para as crianças, é apenas o
chamado "look periguete" que importa e não o comportamento de
mulheres adultas que assim se reconhecem. Mas precisamos entender que erotismo
é coisa de gente grande para gente grande.
Agora, como se não bastasse travestir crianças
pequenas como "periguetes", muitos pais também as levam a "baladinhas"
com direito a DJ, muita dança, muita gente, pouca iluminação etc. Igualzinho ao
que acontece no mundo adulto.
Enlouquecemos ou o quê?
Com a expectativa de vida em torno dos 75
anos, por que não deixamos nossas crianças em paz para que possam viver sua
infância? Afinal, depois de crescidas, elas terão muito tempo para fazer o que
é característico do mundo adulto. Adiantar por quê?
Em nome de nossa diversão, só pode ser.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de
"Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Matéria publicada no Jornal Folha de São
Paulo, 23 de outubro de 2012.
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